21 novembro 2004

A Menina do Metrô

Eu estava voltando para casa, pendurando em algum poste ou corrimão de uma vagão de metro, lendo meu livro e me preocupando somente em manter o equilíbrio. O metro parou em uma nova estação, e em meio a tantos rostos que surgiram por trás do vidro da porta estava ela. Uma garota normal, cabelos longos e ondulados, rosto meio redondo e de pele branca com as bochechas rosadas. Ela estava de rosa, desde a presilha até a camiseta, escapando-lhe somente as calças jeans, que eram azuis e seus óculos de acrílico, que davam a ela um visual agradável, chamado de "alternativo" por alguns. Nossos olhos se encontraram, e senti um leve arrepio na alma. Sim, eu havia gostado dela.

A porta se abriu e ela, junto a duas outras garotas (uma delas não tão jovem assim, como pude perceber mais tarde), se aproximaram de mim e as três ficaram ao meu lado no vagão. Fingindo estar distraído, olhei brevemente para ela e me surpreendi ao perceber que ela também me olhara. Apesar de ter sido um olhar tão desinteressado (e desinteressante) como o meu, assustei-me e me escondi em meu livro, lendo-o e tentando acalmar a minha alma, que agitava-se de ansiedade.

Seguimos juntos até a estação Sé. Eu tive medo de perdê-la, e por isso, ao sair (ainda escondido atrás de meu livro), caminhei lentamente esperando vê-la passar por mim. Tudo em vão. Eu acabara de descobrir que ela não estava com as outras duas garotas, que já haviam saído do vagão, e, provavelmente, não iria descer na Sé, mas em alguma outra estação da Linha Azul.

Desesperançoso e cabisbaixo, segui vagarosamente até a escada rolante que me levaria até outro vagão. Em minha cabeça, com um efeito de fade-in, começou a tocar "Love Kills, drills you to your heart" e seguiu a canção até eu perceber que ela estava ao meu lado e sentir meu coração queimar em meu peito. Ela olhava para meu livro, tentando descobrir que coisa era essa que conseguia prender tanto a minha atenção (ah, se você soubesse que era você). "´Cause love won't leave you alone" dizia meu cd player craniano. A vaga idéia de que algo deveria ser feito passou pela minha cabeça, mas sem muita força. Não sei se foi neste momento, ou em outro, em que me lembrei das minhas orações de alguns minutos atrás na Igreja de Santo Agostinho em que eu pedia que o medo não mais me impedisse de ser feliz ao lado de uma outra pessoa. O que sei é que, ao final da escada rolante percebi que ela andava meio perdida. Primeiro em direção ao trem, depois em direção contrária. Eu me encostei ao lado da escada e esperei sua decisão. Ela continuou a se afastar do trem, indo em direção às outras escadas que seguiam para a rua. Ela está indo pegar o ônibus, pensei, e um pensamento começou a brotar em minha mente. Vou seguí-la, ela vai pegar o mesmo ônibus que eu, vai ver. Mentira, ela sumiu por entre as lojinhas do fim da estação e eu fiquei estático onde estava, sem nenhuma idéia do que fazer a seguida.

Um homem se aproximou e pediu informações. Eu as dei. Uns trinta segundos se passaram e eu percebi que estava errado, a Estação Luz não é sentido Barra Funda. Fui até o mapa para conferir e me certifiquei que estava errado. Pensei em correr e avisá-lo. Bah, deixa pra lá. Segui até um daqueles cocheiros que instalaram no metrô para evitar acidentes e esperei o trem chegar. A garota ainda estava na minha mente e, misteriosamente, também estava a minha frente, a uns três cocheiros de distância. Nossas trocas de olhares continuaram, bem como a minha timidez. Novamente apareceu uma pessoa pedindo informações. Dessa vez eu acertei, não havia como errar o caminho para Corinthias-Itaquera.

O nosso trem chegou, mas dessa vez estávamos em vagões separados. Nesse momento, desde que essa viagem de volta a casa havia começado, não consegui ler meu livro. Passei o caminho todo até a Belém pensando nela. Qual seria o nome dela? Isso pelo menos eu tinha que descobrir. Não custava nada e meu coração bem que podia suportar essa pressão. Ela podia virar minha amiga, mas quem eu estaria enganando, não era nada disso que eu queria. Se ela descesse no Belém, essa seria a minha última chance. Indisperdissável. Na minha cabeça, a conversa brotava.
- Oi, qual é seu nome?

- É....

- Desculpa eu surgir assim, do nada, mas não sei se você percebeu, mas nós estamos viajando juntos desde a São Joaquim e eu tava reparando em você... Quer dizer, é estranho né... deu uma curiosidade de saber um pouco mais sobre você, sabe? Tipo: qual é seu nome? que música você gosta?... sabe, apesar de ser muito clichezento, eu acho que o gosto musical é muito importante, apesar que todo mundo hoje "ouve de tudo" , né? "Menos pagode e sertanejo" .

Bem, na verdade isso foi mais um monólogo do que uma conversa, algo que acabei percebendo e calando tais pensamentos. Agora eu somente tentava reforçar a minha coragem para conseguir cumprir meu desejo.

Estávamos na Bresser, eu no meu vagão e ela no dela. Será que ela pensava em mim? Talvez não, pra ela eu deveria ser um menino até interessante, se prestasse menos atenção naquele livro idiota e mais atenção nela. Mas e todos aqueles olhares? Ela com certeza sabia que eu a havia olhado, e sabia que eu tinha gostado dela. Será que nós nos encontraríamos no Belém?

A resposta eu iria ficar sabendo agora. Chegamos na Belém, a porta se abriu e junto com ela o meu coração ansioso em busca da garota. A resposta é não, ela não desceu na Belém, provavelmente estava indo para o shopping, na Tatuapé. Pensei em voltar para o trem e ir junto mas a sirene tocou e eu acordei para o momento. Eu a havia perdido.

Antes de subir a escada rolante esperei ela passar para vê-la por um último instante, uma última troca de olhares, um último momento íntimo entre eu e uma garota cujo nome eu nem sei, mas que, por alguns momentos fez toda a magia do amor renascer em mim.

Ela estava de costas, sentada contra a janela. Chances como essa não se desperdiça, rapaz!



"Love kills - hey - drills you through your heart
Love kills - scars you from the start
It's just a living pastime
Ruining your heartline
Won't let you go
Love kills - hey - drills you through your heart
Love kills - tears you right apart
It won't let go it won't let go"

- Freddie Mercury, Love Kills