28 julho 2006

Piloto Automático

Grande parte do meu tempo é gasto comigo mesmo, mergulhado em meus pensamentos. Alguns dizem que eu penso demais, acho que estão certos. Eu penso demais, reflito demais sobre qualquer coisa e muitas vezes me esqueço que sou de carne e osso, esqueço que existo. É estranho, mas grande parte das minhas ações diárias são reflexo do meu corpo, pois na maior parte do momento estou pensando em algo. Há um capítulo no Memórias Póstumas que fala sobre isso:

CAPÍTULO 66
As pernas


Ora, enquanto eu pensava naquela gente, iam-me as pernas levando, ruas abaixo, de modo que insensivelmente me achei à porta do Hotel Pharoux. De costume jantava aí; mas, não tendo deliberadamente andado, nenhum merecimento da ação me cabe, e sim às pernas, que a fizeram. Abençoadas pernas! E há quem vos trate com desdém ou indiferença. Eu mesmo, até então, tinha-vos em má conta, zangava-me quando vos fatigáveis, quando não podíeis ir além de certo ponto, e me deixáveis com o desejo a avoaçar, à semelhança de galinha atada pelos pés. Aquele caso, porém, foi um raio de luz. Sim, pernas amigas, vós deixastes à minha cabeça o trabalho de pensar emVirgília, e dissestes uma à outra: Ele precisa comer, são horas de jantar, vamos levá-lo ao Pharoux; dividamos a consciência dele, uma parte fique lá com a dama, tomemos nós a outra, para que ele vá direito, não abalroe as gentes e as carroças, tire o chapéu aos conhecidos, e finalmente chegue são e salvo ao hotel. E cumpristes à risca o vosso propósito, amáveis pernas, o que me obriga a imortalizar-vos nesta página.

Sim, minhas pernas conhecem meus trajetos, meus dedos conhecem os números das agências e contas melhor do que eu, minha boca responde aos assuntos sem que eu tenha conhecimento do que está acontecendo. Muitas vezes sinto como um estranho em meu próprio corpo. Acho que algum tinha serei considerado obsoleto por ele e expulso por maioria de votos. Sabe, existem momentos que eu gostaria de sentir mais as coisas. Frio, Calor, Fome, Sono. Não saber que tenho essas sensações, que as estou tendo, mas realmente sentí-las de uma forma tão nítida que eu não consiga fugir para nenhum outro lugar. Quero viver o agora!

Uma das cenas mais clássicas de Metal Gear Solid é o confronto entre Solid Snake e o Ninja (um ex-colega de exército, como se descobre mais tarde). Num dos momentos, após ser atingido por um golpe, o Ninja brada: "Hurt me more!". Não sei se é realmente dor que eu desejo (tenho medo), mas confesso que um dos momentos que me senti mais vivo foi no primeiro Clube da Luta, nas Pascoal Moreira, enquanto recebia socos do Lucas. Sem idéias, sem motivos, puro instinto, pura vida.

4 Comments:

Blogger Bruna disse:

Acho que sei o que vc quis expressar, Mário. Normalmente, eu exemplifico pela música do Raul "Só pra variar"...Vezes sem conta tenho vontade que o caos domine tudo, de que a dor me faça sucumbir, que todas as sensações e sentimentos atinjam o ápice de sua intensidade, só pra eu ter a leve noção do que é viver.

sexta-feira, 28 julho, 2006  
Blogger jan disse:

E vc pensou sobre vc pensar demais...
*fofo*

Isso me lembra da famosa "... and you bleed just to know you´re alive ..."

sexta-feira, 28 julho, 2006  
Blogger Mário Henrique disse:

Na verdade me lembra de outra: "please bleed"... e de momentos mágicos...

sexta-feira, 28 julho, 2006  
Anonymous Anônimo disse:

pain is pleasure

sexta-feira, 28 julho, 2006  

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