05 janeiro 2007

Um parágrafo

A primeira coisa que ela fez ao sentar-se no banco do metrô foi jogar um comprimido em suas mãos e engoli-lo com uma dose de água mineral. A água estava morna, mas ela nem percebeu. Sua cabeça ainda estava quente da discussão que tivera com seu noivo. Ex-noivo. Ela não sabia mais como seria daqui em diante, nem se haveria um daqui em diante. Ela tentou se acalmar e pensar em outras coisas, mas quando menos percebeu, já havia sido traída por suas mãos, que haviam vasculhado sua mochila e retirado as fotos que havia ido buscar na casa dele. As fotos lembravam momentos bons, aquela viagem à Salvador, uma festa Junina, o aniversário do avô. Momentos bons ao lado dele, momentos que não mais existiam e que ela sabia que nunca mais voltariam a existir, pois ela não voltaria mais; não desta vez. Foi então que ela percebeu que estava uma bagunça. Ainda estava com a roupa da balada da noite anterior e não havia dormido nadinha até aquele momento. Revirou a mochila novamente, agora conscientemente, e encontrou o espelhinho e o corretivo que buscava. “Puta!” Foi a lembrança que teve ao ver o pacote de camisinhas que ficou a mostra ao procurar o corretivo na mochila. Puta fora como sua mãe a chamara quando encontrara outro pacote de camisinhas entre as coisas de sua filha. Puta também foi como ele a chamou quando teve sua primeira crise de ciúmes. Crise que terminou em muitas lágrimas e um hematoma. Talvez ela realmente fosse uma puta, foi o que pensou. Ela olhou para o lado e viu um casal sentado no banco. A garota estava com a cabeça deitada no ombro do rapaz e, quando levantou sua cabeça, ela pode ver que os olhos da garota estavam vermelhos e que havia um gordo círculo verde escuro na camiseta verde clara do garoto, bem encima no ombro. Ela distraiu-se com a cena, sua curiosidade logo se aguçou e ela quis saber o que havia se passado, mas dispensou a idéia de sua cabeça. O mundo é um lugar péssimo para se viver, por todo lado que se olhe, existe tristeza e frustração. Ela novamente estava pensando em seus próprios problemas e novamente tentava buscar algo que a fizesse esquecer de si mesma. Retirou então um velho volume de sua mochila e abriu na primeira página. Ela havia ganhado o livro de um grande amigo, um antigo caso, e nunca conseguira passar da página 15, pois sempre havia algo mais importante para fazer. Desta vez, o livro era a última coisa que ela ainda tinha, sua réstia de alho, como dizia seu pai. Ela estava sozinha, perdida e desconsolada e tudo o que queria era que o comprimido que havia tomado fosse mais do que uma simples aspirina.

Mário Henrique
05/01/2007

2 Comments:

Blogger jan disse:

E tudo o que eu vi foi um motivo a mais para chorar, sentada no banco do metrô.
Uma das pessoas mais lindas que eu já vi.

E nem ve... Nem era tão magra assim.

sexta-feira, 05 janeiro, 2007  
Blogger Leósias disse:

Lindo... sem palavras...

sábado, 06 janeiro, 2007  

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