29 outubro 2004

conversa

Então a menina chega e puxa conversa.

- Ai que merda, pensa o menino. Como seria bom se ela sumisse de vez.

Porém, o que ele diz são outras coisas, palavras interessantes, educadas. Mas seu maior desejo mesmo seria mandá-la para o inferno. Ele não se importa com os problemas dela, é egoísta demais para isso. Ter que rir das piadas que não achou graça, ou julgar como válidos os argumentos idiotas que lhe foram apresentados. Tudo é tão chato. Todas as conversas pra ele são enfadonhas, raramente ele tem vontade de falar com alguém. Por que diabos ele é tão cordial.

É por medo. Medo de ficar sozinho.

 

14 outubro 2004

Após o Eternamente

Para o Tadeu, que me inspirou a escrever crônicas novamente

Ele havia vencido a bruxa. Ela havia quebrado o encantamento que os mantinha separado, impossibilitando que os encontrassem. Eles resolveram fugir juntos para que as rivalidades entre suas famílias não importunassem seu amor. Ele matou o terrível dragão que os esperava e fez juras de amor eterno sob a luz do luar. Os letreiros subiram e a última página foi virada.

Eles construíram uma casinha simples na floresta. Ele não sabia caçar e ela não tinha a menor idéia de como cozinhar. Ela engravidou e ele teve que arranjar um emprego que não queria. Ela não parecia se importar tanto mais com sua aparência, ele parou de se importar com ela. O primeiro filho até que era um molequinho legal, nada comparado com os gêmeos que vieram e a caçula, aquela peste. Ele trabalhava feito louco e ela pedia sempre uma casa maior. Não era assim que era pra ser. O amor não mais existia, quem mandava agora era o tédio e o cotidiano. É, eu acho que a bruxa não era assim tão maligna afinal.

 

07 outubro 2004

Minha igreja

Tão dizendo por aí que a minha igreja é aquela tal que se diz a favor da vida, mas proíbe que a ciência faça suas pesquisas. Tão dizendo que é a mesma igreja que matou um monte de gente no passado porque essas pessoas pensavam diferente, que rezavam pra outro Deus e não seguiam suas regras. Tão dizendo que a minha igreja prega que os sofrimentos na vida são provas que devemos superar e nunca reclamar. Tão dizendo que se você reclama, você vai pro inferno. Tão dizendo que minha igreja é contra o prazer, que alegria só mesmo depois da morte em algum lugar acima das nuvens com harpas e anjos assexuados. Dizem que a minha igreja ficou calada durante uma grandiosa guerra, e que pra virar gente importante nela, pode ter feito um monte de coisas erradas, desde que tenha fortalecido sua dominância no mundo. Tem gente que ousa dizer que a minha igreja é aquela que diz que é melhor passar doença e colocar um monte de gente num mundo superlotado do que usar camisinha. Dizem que a minha igreja é atrasada, que pede desculpas só depois de décadas do ocorrido, quando não dá pra fazer mais nada, a não ser lamentar. É isso que dizem da minha igreja, que ela só lamenta, que ela se preocupa tanto com seu Status Quo, sua unidade santa que se esquece que Deus viveu como homem para entender o homem. Acho que eles pensam que ela vive como Deus para tentar entender a Deus.

Mas tudo isso é mentira.

A minha igreja é aquela que abriga os pobres e excluídos. É aquela que não conhece hierarquia. É aquela na qual os senhores são os servos e o menor e o maior andam de mãos dadas. É a igreja que briga pela vida. Vida honesta e justa. A minha igreja é aquela que está à frente do mundo, guiando-o para um lugar melhor. Minha igreja é feita de idéias, discussões, erros e acertos. Minha igreja não é de pedra, nem de cruz. Minha igreja é de ressurreição. Minha igreja é humilde e na sua humildade se fortalece. Ela sabe escutar. Minha igreja é a igreja de soluções, não de barreiras. Minha igreja é a igreja da salvação. Salvação na Terra, para todos. Minha igreja tem sabor de maçã recém colhida. É fresca e saudável. Minha igreja não precisa de céu, pois bebe direto da fonte do pai. Minha igreja é a igreja do amor, da razão, da beleza, do trabalho, da justiça, da verdade. Minha igreja é a igreja do uni e do multi. Minha igreja é a igreja de Deus.

É por ela que vivo, trabalho e me dedico. É nela que acredito.

E quem quiser pode vir comigo.