O ato de amar é eterno. Era isso que dizia o adesivo colado no carrinho de pipoca em frente ao Shopping Jardim Anália Franco. Era um adesivo simples, de certa forma brega. Lembra um pouco aquela folhinha presa à parede no início (e no final) do clipe "Corpo Fechado" do Nasi. O ato de amar. Pronto, está aí uma coisa que me vem cutucando a mente a algum tempo e que não sussega enquanto não for entendido, como a unha encravada do meu pé esquerdo: as vezes esqueço dela, mas basta uma topada de leve que ela volta com força total. E não adianta tentar esquecer. Se não cavocar e arrancar de uma vez, não vai sumir sozinho.
Há alguns dias, pensando sobre o bendito do amor, comecei a imaginá-lo, não como um sentimento, mas como um ato, um verbo. Sabe, o amor não é algo passivo, não é um sentimento. Ninguém
sente amor por alguém, nós
amamos alguém. Diferente de raiva, ciúmes, paixão, tesão, frio, calor, e outros sentimentos, o amor é um ato. Amar é preocupar-se, é cuidar, é estar presente, mesmo quando ausente. Amar é pensar, conhecer, desistir e insitir. O amor é o coletivo de todos os verbos!Então eu posso dizer que o adesivo estava certo quando disse:
o ato de amar.... Agora, será que o ato de amar
é eterno?
Quando eu penso no amor, penso na entrega, na negação da própria vontade em função do amado. O amor não pede posse, e nisso é eterno, pois todas as posses se perdem algum dia. Então o amor é livre. O amante só o é realmente quando liberta o amado de seus desejos de dominação e eterna servidão. O amor não busca objetivos, mas isso não o torna eterno. Quando se ama, se ama a vida, pois onde existe o amor, existe o desejo de vida ao amado, porém, só existe vida onde existem mudanças. Viver é modificar e ser modificado. A existência é dinâmica e as pessoas que fomos ontem, não são as pessoas que seremos amanhã. E isso também se aplica aos nossos amados. Quando escolhemos alguém para amar ou não outro, estamos discriminando (diferenciando) o ser amado dos outros. Se isso acontece, deve haver (e
há) algum motivo, alguma particuliaridade no amado, que o faça ser escolhido entre todos os outros seres vivos, mesmo que o próprio amante não tenha consciência disso. O amado é único para o amante, mesmo que esse tenha outros amados. Mas, se a vida é dinâmica, e as pessoas mudam, como posso amar alguém eternamente, se o motivo pelo qual eu amo essa pessoa pode mudar? Por exemplo, se eu amo alguém pelo sorriso, e de repente essa pessoa perde todos os dentes, eu ainda a amaria? Ou, se eu amo alguém pela forma como essa pessoa vê o mundo, eu ainda a amaria se ela pensasse de forma diferente? Se ele mudasse de opinião? Se for assim, o amor não pode ser eterno. Mas, quando li
o ato de amar é eterno, não encontrei nada que dizia sobre amar alguém. Pode ser que o amor não seja algo direcionado a alguém, mas somente algo que se faz. Como respirar. Sendo assim, meu xará estava certo, amar é verbo intransitivo sim. Nós amamos como vivemos, como andamos, sem direção e sem nunca entender o porquê.
Será isso realmente o amor? Meu livro favorito diz que o amado é uma gota por onde os raios do sol brilham, transformando-se em diamantes, por onde toda a beleza é mostrada. Eu concordo com isso, porém, ele também diz que essa gota pode cair, e o amado perder seu brilho. Não quero concordar com isso. Prefiro o adesivo brega a aceitar que tudo o que vivo no amor não passa de um jogo de espelhos. Sem falar que amar, nessa forma, é um sentimento. E sabemos que o amor é um ato. É uma decisão, um gesto concreto. O amor existe porque eu o faço presente. O amor existe, porque
eu amo. Se ele é eterno, não consigo responder ainda. Eu teria que viver toda a eternidade antes pra saber responder isso,
mas, se existe algo capaz de durar tanto tempo assim, isso, com certeza é o amor. Posso então não amar durante toda a eternidade, mas amarei sim enquanto existir.